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A FORÇA DO BRAÇO

  Diziam os antigos: “com a força do braço se conquista a vida”.   Era o braço do operário, a enxada cavando futuro, a agulha costurando esperança, a caneta rabiscando horizontes.   Era suor, era rotina, era pão repartido depois da luta diária.   Mas alguém torceu o sentido! Transformou o braço em punho, o esforço em imposição, o trabalho em ameaça.   Na roda dos poderosos o braço é músculo, soco, ferramenta de submissão.   E a metáfora, antes canto da dignidade, virou grito de guerra, virou bandeira de violência.   A tudo isso, digo não! A força do braço não está em esmagar, mas em sustentar; não está em ferir, mas em consolar, erguer.   Porque é o braço cansado do pedreiro, da lavadeira, do professor, que realmente conquista o mundo.   Criado em : 12/9/2025 Autor : Flavyann Di Flaff
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CAMPO DE TRIGO

  O trigo se ergue, dourado, pleno, sopro da terra que insiste em viver.   No meio da abundância, um corpo se rende. Entre espigas, que falam de pão, uma ausência cresce silenciosa.   O grão se parte, morre para gerar vida; o homem se parte, morre para silenciar a dor.   Há contradição no vento: A seara canta fecundidade, mas a sombra recorta o gesto final.   O campo se enche de futuro, o trigo promete renascer. O corpo, não! Ele escolhe o fim, mesmo quando tudo em volta alude ao recomeço.   E a terra, perplexa, acolhe, ao mesmo tempo, o pão da vida e a ruptura da esperança.   Criado em : 11/9/2025 Autor : Flavyann Di Flaff

PREGADOR

  Como quem prega um cartaz de “Procurado”, pregou o amor no púlpito. Ao concluir o ato, levou, para casa, o julgamento e a condenação, instrumentos que há muito usa e conhece, porém, não os assume,  por achar esse gesto incompatível com a manutenção de sua persona pública, imagem e semelhança da perfeição. Ao confundir moralidade com santidade, autoproclama-se representante do Divino, todavia, pregoeiro que é, profanar é a sua essência. Assim, segue o pregador do Amor! Pregando como quem denuncia um justo. Condenando-o por atos carregados de humanidade, como, há séculos, fizeram certos fariseus, que entregaram o Justo, aos romanos, para ser pregado no madeiro.   Criado em : 7/9/2025 Autor : Flavyann Di Flaff

A VIDA NÃO É FEITA SÓ DE FATOS

A nossa vida são fatos, mas não apenas linhas secas de um diário ou marcas em pedra. São lembranças que se colorem de emoção, cada instante gravado não pela precisão do relógio, mas pela intensidade do que sentimos. O que seria da infância sem o cheiro de pão quente ou o riso que se derrama pela rua? O que seria do amor sem o tremor nas mãos, o coração em descompasso, a memória que insiste em guardar o brilho de um olhar? A vida, em sua essência, é um mosaico de percepções: dor que ensina, alegria que expande, saudade que nos costura ao que já foi. Não nos recordamos apenas do acontecimento, mas também lembramos de como ele nos atravessou, do arrepio, da lágrima, da explosão de esperança ou do peso do silêncio. E, assim, seguimos, colecionando fatos, sim, mas, sobretudo, colecionando o modo como eles nos fizeram sentir. Porque, afinal, somos a narrativa de nossas próprias emoções: uma prosa escrita em carne, sangue e memória, sempre reescrita pela intensidade do coração.   ...

REFORMA GERAL E IRRESTRITA

  A política de um país não se constrói apenas nas instâncias de poder, mas também na forma como a população reage e se posiciona diante dela. Em sociedades marcadas pelo clientelismo, cria-se uma engrenagem perversa em que governantes e governados se retroalimentam: de um lado, os políticos oferecem favores, cargos e benefícios particulares; de outro, a população, por conveniência, comodidade ou sobrevivência, aceita e perpetua esse sistema, ainda que critique em público seus desmandos. Esse paradoxo revela-se na figura do "político de estimação", já que muitos cidadãos, mesmo conscientes da corrupção ou do abuso de poder, optam por relativizar os erros de quem os representa, defendendo-o como se fosse um parente ou amigo íntimo. Tal postura enfraquece o debate público, reduz a política a rivalidades passionais e mina a construção de um Estado verdadeiramente republicano, no qual o interesse coletivo prevalece sobre os vínculos pessoais. Assim, não basta denunciar o corp...

A FAMÍLIA DA NOVA ERA

  Carregamos no peito a marca da família pós-moderna, um mosaico de rostos, de afetos interrompidos, de lares que não sabem ser morada inteira. O que antes era chão firme, raiz e abrigo, hoje se faz corredor de portas, que se abrem e se fecham depressa demais. No lugar da continuidade, a transitoriedade; no lugar da certeza, o improviso. Crescemos, assim, em territórios que mais parecem paisagens em movimento, onde o lar já não garante abrigo, apenas passagem. Entre os laços frágeis, aprendemos cedo que o “nós” pode dissolver-se em “eus” solitários, que a mesa partilhada já não é necessariamente partilha, mas coexistência apressada. A lógica do instante, do consumo e do desejo imediato se infiltra nas relações, e cada um carrega sua própria bússola, mesmo que isso signifique perder o norte comum. E as crianças, os jovens, esses seres ainda em busca de chão, muitas vezes, descobrem-se órfãos de pertencimento dentro de casas cheias. Eles são convidados a habitar fronteiras móveis...

AUTORREFLEXO

  Carregamos, dentro de nós, corredores escuros, cheios de portas trancadas. Cada porta guarda um segredo, uma fraqueza, uma sombra que não ousamos mostrar. Passamos a vida fabricando chaves falsas, máscaras bem polidas, discursos de virtude para que ninguém perceba o que escondemos. E quando o outro tropeça, justamente, no abismo que tememos em nós, não suportamos. O erro dele é o reflexo que tentamos apagar do espelho. Sua queda denuncia a nossa fragilidade. Então, erguemos a voz, apontamos o dedo, transformamos o outro em réu. Condenamos, não porque ele é pior, mas porque ousou expor aquilo que enterramos dentro de nós. Assim, a condenação vira cortina. Gritamos contra a falha alheia para silenciar a nossa própria. Ridicularizamos para distrair os olhares. Quanto mais severos somos com o outro, mais confessamos — sem perceber — a luta surda que travamos contra nós mesmos. No fundo, tudo isso ocorre, porque sabemos que cada pedra lançada é também um pedido de socorro. Cada ac...